A Alta da Aventura na Poeira!

“No rali, se tudo der certo, você vai se estrepar bastante” é uma máxima universal de quem compete, cobre ou trabalha em qualquer instância em um rali estilo cross country – grandes aventuras de longa duração que percorrem milhares de quilômetros ao longo de vários dias.

Mundialmente, o Dakar é a prova mais conhecida do gênero, enquanto no Brasil o Rally dos Sertões – ou simplesmente Sertões, como a marca é atualmente conhecida – exibe mais de 30 anos de tradição, e adquiriu status de uma das mais importantes competições do tipo no mundo.

A receita do Sertões é semelhante à do Dakar (criado em 1979 como Paris-Dakar), unindo cenários inóspitos e fotogênicos a um desafio técnico duríssimo para atrair o interesse de grandes montadoras, em três categorias: Carros, Motos e UTVs (Utility Task Vehicle, espécie de bugue com alta capacidade off-road que se tornou febre mundial no universo dos ralis). Mitsubishi, Honda e Can-Am são patrocinadores oficiais do Sertões nas três classes, respectivamente.

O que é atípico no Sertões é um fenômeno sem precedentes no próprio Dakar: por uma conjuntura de fatores tipicamente brasileiros, o rali entrou no imaginário de grandes empresários e capitães da indústria que, anualmente, trocam seus ternos bem cortados por macacões empoeirados para chacoalhar por uma ou duas semanas em carros (ou UTVs) de corrida sertão afora.

O apelo da adrenalina de acelerar uma máquina de competição de alta performance é evidente, mas é algo que pode ser feito com todo o conforto e mordomia em categorias de pista como a Porsche Cup, por exemplo. Então por que trocar a champagne, os camarotes e os boxes com ar-condicionado de uma Cup pelo calor de 40ºC, a secura e a poeira dos grotões do Piauí de um Sertões?

Foto por M-Sport e Red Bull

“A aventura de conhecer lugares novos é o primeiro fator”, explica Sylvio de Barros, fundador do portal Webmotors (vendido para o Santander) e posteriormente do iCarros (vendido para o Itaú), e que correu na própria Porsche Cup por vários anos. “Outra coisa é que o rali por natureza é muito imprevisível, então a experiência do piloto muitas vezes leva a melhor sobre o ímpeto da juventude. Na Porsche, chega uma hora que os reflexos não conseguem mais competir com a molecada”, brinca.

A verdade é que o Sertões exibe um alto “pedigree empresarial” desde praticamente a origem, quando em 1996 o herdeiro do Grupo Votorantim, Marcos Ermírio de Moraes, adquiriu o controle da Dunnas Race, empresa que realizava a prova desde 1993. MEM, como é universalmente conhecido no meio do rali devido às iniciais, competiu durante vários anos antes de passar a dedicar-se exclusivamente à organização da prova e da sua equipe, a MEM Motorsport. Em 2018, vendeu sua participação na Dunnas para um consórcio capitaneado por Julio Capua, um dos fundadores e ex-sócio da XP Investimentos, que por sua vez instalou o executivo Joaquim Monteiro de Carvalho como CEO (Guilherme Benchimol, outro fundador da XP, também já competiu no Sertões em edições passadas).

Entre os Moraes, o fruto não caiu longe da árvore: filho de MEM, Lucas Moraes é o atual campeão do Sertões entre os Carros, e em janeiro passado obteve o primeiro pódio de um brasileiro na categoria principal do Dakar, finalizando em terceiro no rali, atualmente realizado na Arábia Saudita.

Os resultados de Lucas em uma idade relativamente jovem – tem 32, bem menos do que as principais estrelas da modalidade no mundo, o espanhol Carlos Sainz (61, pai do piloto da Ferrari na Fórmula 1), o francês Sebastien Loeb (49) e o catari Nasser Al-Attiyah (52) – fizeram dele o primeiro brasileiro a adentrar o clube dos pilotos de elite do cross country mundial. Moraes faz parte, hoje, do time internacional de atletas patrocinados por marcas referência do mundo do automobilismo, como a austríaca Red Bull e a francesa Motul.

Foto por Sara Price

O principal adversário de Lucas na verdade são dois: os irmãos Cristian e Marcos Baumgart, que somam cinco títulos do Sertões entre si. Os “Baumgs”, como são chamados no meio do rali, também têm tradição nos negócios – são herdeiros do Grupo Baumgart, famoso pelas marcas Vedacit e Quartzolit e controladores também do complexo Cidade Center Norte, na Zona Norte de São Paulo.

Na tentativa de retomar a hegemonia da competição, os Baumgs investiram pesado: em 2023, ambos estreiam o protótipo inglês Prodrive Hunter T1+, de valor estimado em € 600 mil cada. Uma versão de “uso civil” do Hunter T1+ é vendida pela Prodrive para pessoas comuns por € 1,46 milhão.

Já Lucas fez seu pódio no Dakar a bordo da mesma Toyota Hilux T1+ com a qual encara o Sertões 2023. Desenvolvida pela equipe belga Overdrive, de “Toyota Hilux” o carro só tem o nome – o chassi, por exemplo, é feito a partir de um monocoque de fibra de carbono, como em um Fórmula 1.

“Quase que não dá pra chamar de ‘carro’; ‘nave espacial’ seria mais adequado”, brinca Moraes.

O alto nível técnico atingido pelo Sertões nos últimos anos vem atraindo também estrelas do automobilismo de pista tradicional. O ex-F1 e atual Stock Car Nelsinho Piquet, por exemplo, está em seu terceiro Sertões, enquanto o campeão da Stock Car Felipe Fraga faz sua estreia esse ano.

“Comparado ao automobilismo de pista, o ambiente do rali é outro mundo”, explica Nelsinho. “Um mundo muito mais agradável, mais relaxado. Claro que todos envolvidos são competitivos e queren ganhar, mas todo mundo também está sempre disposto a dar uma mão para um concorrente completar a prova, ajudando a desatolar alguém ou emprestando uma peça de reposição, por exemplo”.

Foto por M-Sport

Esse ambiente também faz parte do apelo que o Sertões encontra junto a grandes empresários. “No rali cross country você precisa estar 100% focado no que você está fazendo por longas horas, é simplesmente impossível pensar em qualquer outra coisa. Ou seja, o rali te tira o stress completamente”, acredita Reinaldo Varela, fundador e presidente da rede de restaurantes Divino Fogão e tricampeão do Sertões entre os UTVs.

Sylvio de Barros ecoa: “Quando você está muito envolvido em uma grande empresa, o tempo livre é escasso, então você quer investir esses momentos em que consegue sair do escritório em um ambiente que te inspire e te desafie, onde você aprenda coisas novas, e o rali proporciona isso – a evolução técnica dos carros nos últimos anos é estarrecedora, por exemplo”.

Tudo isso com um grande bônus: o networking de altíssima qualidade que vem desse ambiente...

“E no fim das contas você também forma amizades, que podem ou não terminar em negócios”, conclui Sylvio. “Mas são amizades muito mais profundas e legítimas, porque nascem de um ambiente de paixão compartilhada”.

Conteúdo elaborado por Cassio Cortes.
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^{BOX: O PIB na poeira}

^{Alguns dos principais nomes do empresariado nacional competindo no Sertões 2023:}

^{Lucas Moraes (herdeiro do Grupo Votorantim, atual campeão na categoria Carros)}

^{Cristian Baumgart (herdeiro do Grupo Baumgart, tetracampeão na categoria Carros)}

^{Marcos Baumgart (herdeiro do Grupo Baumgart, uma vez campeão na categoria Carros)}

^{Rodrigo Aché (Sócio do Itaú BBA, compete na categoria Carros)}

^{Sylvio de Barros (fundador do Webmotors e do iCarros, Carros)}

^{Carlos Ambrósio (sócio da Avenue Securities, Carros)}

^{Alex Buchheim (CEO da Limppano, Carros)}

^{Julio Capua (fundador da XP, UTVs)}

^{Reinaldo Varela (fundador e presidente da rede de restaurantes Divino Fogão, tricampeão na categoria UTVs)}